sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Telomerase: mocinha ou vilã?

O Prêmio Nobel deste ano em Medicina foi para um trio de cientistas americanos que, juntos, descobriram a telomerase em 1985. Já sabia-se que as extrermidades dos cromossomos de eucariotos são constituídos por sequências repetitivas de DNA (no caso de humanos, várias repetições TTAGGG) associados a várias proteínas, possuindo função de proteção de recombinação, translocação e degradação, além de favorecer uma duplicação correta dos cromossomos. A cada ciclo celular (e por sua vez, duplicação cromossômica), pequenas proporções destas sequências terminais são perdidas devido à replicação incompleta do DNA.

Esta replicação incompleta deve-se ao fato de que a DNA polimerase, enzima responsável pela duplicação do cromossomo, só "funciona" no sentido 5'->3'. Assim, a fita de DNA no sentido 3'->5' será replicada normalmente, gerando a "leading strand", enquanto que na fita 5'->3', a replicação se dará em fragmentos (os famosos fragmentos de Okasaki), gerando a "lagging strand". Isto geraria um encurtamento progressivo, uma vez que o primer usado na iniciação da replicação será degradado. Ao longo de diversos ciclos iguais, as fitas ficariam cada vez menores, até chegarem num limite no qual os cromossomos não mais serão capazes de sofrer replicação e a célula entra no que chamamos de senescência. Pra ficar mais fácil de entender, tem essa animação bem didática!!
Na maioria das nossas células somáticas é exatamente isto que acontece. As células, após diversos ciclos de replicação cromossômica, entram em senescência e perdem a capacidade de dividir-se. Aí vocês podem pensar,  mas porque isso acontece? Se nada na biologia faz sentido senão à luz da evolução (citando Dobzhansky, ops!), o que tem de inteligente na perda da capacidade de divisão celular quando a célula já esta´"velha"? Acontece que quanto mais "velha" for uma célula, mais mutações ela pode ter acumulado ao longo do tempo, podendo desenvolver assim, fenótipos anormais, como o câncer. O encurtamento dos telômeros estaria atuando como um "timer" que diz a "idade" da célula. Seria uma forma de ver o custo-benefício da manutenção desta célula. Pra que manter se a probabilidade de ela desenvolver um tumor é alta, e só vai tender a aumentar ainda mais com o tempo?
Só que algumas células escapam a esse controle de envelhecimento através de encurtamento dos telômeros, e é aí que entra o Prêmio Nobel que citei lá no começo. A telomerase é um complexo constituído por proteínas e um RNA que atua como molde, impedindo este encurtamento telomérico após cada ciclo celular (a forma exata do funcionamento deste complexo pode ser vista de forma simplificada no vídeo que já mencionei antes!!). Mas que células são essas que possuem este complexo funcional? As células germinativas e células-tronco, que são necessárias durante toda a vida dos indivíduos e, desta forma, devem manter uma alta taxa de divisão celular sem, no entanto, "envelhecer". Um outro tipo de células que escapam à esse controle, porém, são as células tumorais. Estima-se que mais da metade das células tumorais voltaram a expressar a telomerase, tornando-se assim, imortais. 
Defeitos na telomerase podem também causar diversos tipos de doença como, por exemplo anemia aplástica congênita, na qual células-tronco da medula óssea entram em senescência.
A descoberta deste complexo enzimático foi imprescindível para o estudo do envelhecimento celular, da importalidade de células tumorais bem como de suas aplicações na terapia gênica, além do estudo de doenças causadas por defeitos na sua atividade.

PS: A Carol Greider, umas das cientistas ganhadoras do prêmio, era aluna de graduação na época da descoberta e tinha só 23 anos (se não me engano). Fala sério, né? 23 anos publicando na Nature e Cell!! Que invejinha!
PS2: Eles dizem que descobriram a telomerase na véspera do natal, presentão né? =)

Bibliografia sugerida pra entender melhor:

- Nobel Prize 2009
- The Scientist.com
- The terminal DNA structure of mammalian chromosomes
- Refining the telomere-telomerase hypothesis of aging and cancer
- Telomerase: immortality enzyme or oncogene?

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