sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Estudo de função gênica in vivo e animais transgênicos


Tive uma aula muito interessante essa semana sobre estudo de função gênica in vivo. Apesar de eu trabalhar somente com cultura celular, reconheço a importância dos estudos em modelos animais, umas vez que células em cultura já se encontram bastante modificadas (principalmente no caso de células transformadas e em altas passagens). Assim, é importante que resultados in vitro sejam confirmados in vivo. Não sou uma "expert" no assunto, mas vou tentar passar um pouco do que aprendi nessa aula.
Pra começar, é importante saber qual o significado do tão conhecido termo "animais transgênicos". Animais transgênicos, ou animais modificados geneticamente, são animais contendo DNA recombinante introduzido intencionalmente por intervenção humana em seu genoma. Este podem ser utilizados no estudo de função gênica, através de perda ou ganho de função dos genes de interesse, assim como podem ser usados na biotecnologia (em geral, animais de grande porte) para, por exemplo, produção de sua proteína de interesse em grande quantidades para fins comerciais.
Em 1976, o grupo de Jaenish inseriu, através de um vetor retroviral, DNA exógeno em camundongos. Esta transdução, porém, não se mostrou efetiva, sendo que a sequência exógena era silenciada por mecanismos naturais da célula. Em 1980, um outro grupo obteve sucesso na inserção de DNA exógeno através da técnica de microinjeção pró-nuclear, a qual é muito utilizada até hoje.
Existem duas formas principais de obtenção destes animais transgênicos: micro-injeção pró-nuclar e a recombinação homóloga, sendo que a primeira é utilizada para inserção de sequências exógenas, sendo que a segunda consiste na modificação do DNA endógeno, como por exemplo na obtenção de transgênicos nocaute para genes específicos.
Óvulos recém-fecundados possuem ainda os dois pró-nucleos (paterno e materno). Na microinjeção pronuclear, seu DNA de interesse é injetado num dos dois pró-nucleos. Esta sequência injetada será inserida em tandem aleatoriamente no DNA endógeno e será transmitida através das divisões celulares. Esta técnica pode ser utilizada em diversas situações, como no estudo de ganho de função de um determinado gene selvagem ou mutado, além do estudo da região promotora ou outras sequências regulatórias (com um gene reporter "dowstream"). Alguns dos contras desta técnica são que os locais de inserção e a quantidade de inserções são aleatórias, sendo que uma forma de amenizar o efeito desta "aleatoriedade" é o estudo de mais de um animal transgênico para o mesmo gene. Além disto, esta técnica não reflete as condições naturais como no caso de inserção de um alelo mutante, no qual o organismo possuirá duas cópias normais e uma mutante de um mesmo gene. O estudo de função gênica através de microinjeção prónuclear apresenta mais um fator limitante, uma vez que não se pode deletar genes para análise de perda de função.
Assim, uma outra alternativa seria a recombinação homóloga, na qual o DNA exógeno é capaz de substituir uma região endógena através da recombinação. As células utilizadas para este tipo de técnica são as células tronco embrionárias e a principal função desta técnica é a introdução de um alelo mutado, com a finalidade de obtenção de um organismo  sem a presença do gene de interesse, ou seja, um organismo nocaute para aquele gene. Na recombinação homóloga, o DNA recombinante  é inserido em células tronco embrionárias de camundongos, que são reinseridas em embriões de camundongos. Estes serão quimeras formados pelas células ES (Embryonic Stem cells) originais e pelas transgênicas. Para melhor visualização da porcentagem de células provenientes de cada tipo de ES, as células troncos que serão modificadas geneticamente são provenientes de camudongos de pelagem escura, sendo inseridas em embriões de camundongos de pelagem clara. Entre diversos aimais quiméricos, espera-se que alguns possuam suas células germinativas predominantemete provenientes das células ES transgênicas. Assim, a mutação poderá ser transmitida aos filhotes, gerando eventualmente os animais nocaute. Uma variação interessante desta técnica são os animais nocaute condicionais, no qual o gene é deletado em órgãos ou em tempos específicos, o que pode ser muito útil para genes importantes para o organismo como um todo, ou para genes com funções importantes no desenvolvimento.

Para quem se interessar e quiser saber mais sobre estas técnicas, recomendo estes 2 links abaixo:
- Células tronco-embrionárias e a geração de modelos animais para doenças genéticas humanas
- Animais Transgênicos – Nova Fronteira do Saber

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pequenos grandes RNAs

Essa semana pretendo falar de um assunto relativamente novo e de grande importância, tanto na pesquisa básica quanto na terapia gênica: os RNAs interferentes.
A primeira evidência de sua existência ocorreu em 1990 quando um grupo de cientistas, na tentativa de alterar a cor de petúnias tornando-as mais escuras, inseriu cópias de um gene que codificava uma enzima envolvida no processo. O resultado porém foi o contrário do esperado: as plantas que continham estas cópias era menos pigmentadas. Este fenômeno permaneceu sem explicação até que, em 1998, Fire e Mello descobriram os RNAs interferentes. Em publicação na Nature, eles descreveram experimentos nos quais a introdução de duplas fitas de RNAs longos em C. elegans levou não só à diminuição da expressão do gene correspondente, como também esta inativação foi transmitida célula a célula e também à progênie, o que rendeu a ambos o Prêmio Nobel de Medicina de 2006.
Estes RNAs pequenos ocorrem naturalmente em plantas, C. elegans e Drosófilas e têm a função principal de proteção, uma vez que possuem a capacidade de silenciar RNAs virais invasores bem como elementos transponíveis, como os retrotransposons. Em alguns organismos, como em C. elegans e plantas, estes pequenos RNAs têm a capacidade de amplificação, ou seja, RNAs dupla-fita (dsRNAs) gerarão mais dsRNAs através da RNA polimerase RNA dependente (RdRP), o que aumenta sua capacidade de silenciamento. Isto explica o porque de o silenciamento ser trasnmitido célula à célula e à progênie nestes organismos, bem como a maior durabilidade deste efeito silenciador.
Em outros animais, como os mamíferos, não existem evidências de que estes RNAS pequenos ocorram naturalmente e que tenham esta função de proteção frente à invasões virais. Porém, ao serem introduzidos artificialmente, sejam siRNAs produzidos sinteticamente, sejam siRNAs com transcrição in vivo, como os plasmídeos ou partículas virais, estes pequenos RNAs se utilizarão da maquinaria celular responsável pela biogênese dos microRNAs e tambem atuarão na regulação pós-transcricional, através do reconhecimento do sequência alvo, clivagem e degradação da mesma através de ribonucleases. É aí que entra sua importância tanto na ciência básica quanta aplicada. A inativação da expressão de um gene específico pode ser muito útil no estudo da função gênica, no tratamento de diversos tipos de doença, bem como na engenharia genética.
Um outro tipo de pequenos RNAs, desta vez constitutivamente expressos em mamíferos, foram recentemente descobertos: os microRNAs. Mas isso é assunto pra outra postagem =)

PS: Pra quem quiser entender como funciona a biogênese dos RNAs interferentes, tem esta animação da Nature bem legal!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Telomerase: mocinha ou vilã?

O Prêmio Nobel deste ano em Medicina foi para um trio de cientistas americanos que, juntos, descobriram a telomerase em 1985. Já sabia-se que as extrermidades dos cromossomos de eucariotos são constituídos por sequências repetitivas de DNA (no caso de humanos, várias repetições TTAGGG) associados a várias proteínas, possuindo função de proteção de recombinação, translocação e degradação, além de favorecer uma duplicação correta dos cromossomos. A cada ciclo celular (e por sua vez, duplicação cromossômica), pequenas proporções destas sequências terminais são perdidas devido à replicação incompleta do DNA.

Esta replicação incompleta deve-se ao fato de que a DNA polimerase, enzima responsável pela duplicação do cromossomo, só "funciona" no sentido 5'->3'. Assim, a fita de DNA no sentido 3'->5' será replicada normalmente, gerando a "leading strand", enquanto que na fita 5'->3', a replicação se dará em fragmentos (os famosos fragmentos de Okasaki), gerando a "lagging strand". Isto geraria um encurtamento progressivo, uma vez que o primer usado na iniciação da replicação será degradado. Ao longo de diversos ciclos iguais, as fitas ficariam cada vez menores, até chegarem num limite no qual os cromossomos não mais serão capazes de sofrer replicação e a célula entra no que chamamos de senescência. Pra ficar mais fácil de entender, tem essa animação bem didática!!
Na maioria das nossas células somáticas é exatamente isto que acontece. As células, após diversos ciclos de replicação cromossômica, entram em senescência e perdem a capacidade de dividir-se. Aí vocês podem pensar,  mas porque isso acontece? Se nada na biologia faz sentido senão à luz da evolução (citando Dobzhansky, ops!), o que tem de inteligente na perda da capacidade de divisão celular quando a célula já esta´"velha"? Acontece que quanto mais "velha" for uma célula, mais mutações ela pode ter acumulado ao longo do tempo, podendo desenvolver assim, fenótipos anormais, como o câncer. O encurtamento dos telômeros estaria atuando como um "timer" que diz a "idade" da célula. Seria uma forma de ver o custo-benefício da manutenção desta célula. Pra que manter se a probabilidade de ela desenvolver um tumor é alta, e só vai tender a aumentar ainda mais com o tempo?
Só que algumas células escapam a esse controle de envelhecimento através de encurtamento dos telômeros, e é aí que entra o Prêmio Nobel que citei lá no começo. A telomerase é um complexo constituído por proteínas e um RNA que atua como molde, impedindo este encurtamento telomérico após cada ciclo celular (a forma exata do funcionamento deste complexo pode ser vista de forma simplificada no vídeo que já mencionei antes!!). Mas que células são essas que possuem este complexo funcional? As células germinativas e células-tronco, que são necessárias durante toda a vida dos indivíduos e, desta forma, devem manter uma alta taxa de divisão celular sem, no entanto, "envelhecer". Um outro tipo de células que escapam à esse controle, porém, são as células tumorais. Estima-se que mais da metade das células tumorais voltaram a expressar a telomerase, tornando-se assim, imortais. 
Defeitos na telomerase podem também causar diversos tipos de doença como, por exemplo anemia aplástica congênita, na qual células-tronco da medula óssea entram em senescência.
A descoberta deste complexo enzimático foi imprescindível para o estudo do envelhecimento celular, da importalidade de células tumorais bem como de suas aplicações na terapia gênica, além do estudo de doenças causadas por defeitos na sua atividade.

PS: A Carol Greider, umas das cientistas ganhadoras do prêmio, era aluna de graduação na época da descoberta e tinha só 23 anos (se não me engano). Fala sério, né? 23 anos publicando na Nature e Cell!! Que invejinha!
PS2: Eles dizem que descobriram a telomerase na véspera do natal, presentão né? =)

Bibliografia sugerida pra entender melhor:

- Nobel Prize 2009
- The Scientist.com
- The terminal DNA structure of mammalian chromosomes
- Refining the telomere-telomerase hypothesis of aging and cancer
- Telomerase: immortality enzyme or oncogene?

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Prelúdio




A termo "genética" consiste basicamente na ciência que estuda os genes. Todo ser vivo possui um conjunto destes genes, e a este conjuto é dado o nome de genoma. Pode-se dizer que o primeiro e um dos mais importantes marcos a história desta ciência ocorreu com a publicação do livro "A  Origem das Espécies" de Charles Darwin em 1859. A seguir, Gregor Mendel publicou um trabalho (sim, as famosas ervilhas!) que estabelecia os fundamentos da genética clássica e dos mecanismos de hereditariedade, apesar de apenas ter sido reconhecido mais de 4 décadas mais tarde. Em 1910, Morgan provou a localização dos genes nos cromossomos e então os primeiros mapas genéticos começaram a ser desenhados. Surge então o Dogma Central da Biologia o início da década de 40, o qual predizia que genes seriam transcritos em cadeias de ácidos nucleicos menores, os RNAs, e estes seriam traduzidos em proteínas, as unidades funcionais dos organismos. Em 1953, Watson e Crick descobrem a estrutura de dupla hélice do DNA. Diversas outras descobertas levaram, então, às bases da genética que conhecemos hoje, como a replicação semi-conservativa, a quebra do dogma central da biologia, o sequenciamento do DNA (dos primeiros modestos sequenciamentos de Sanger até os que obtiveram mobilização internacional, como o Projeto Genoma Humano), o PCR (abençoado seja quem inventou o PCR!!), entre outros. A genética pré-PGM (Projeto Genoma Humano... vou usar siglas pra ficar mais fácil!) acreditava que o seqüenciamento seria a solução para todos os problemas. Acreditava-se que assim descobriríamos as mutações que causam diversos tipos de doenças, as formas de tratamento, suas funções. Em 2003, este tão sonhado objetivo foi atingido e a comunidade científica deparou-se com um monte de códigos antes desconhecidos. As perguntas porém, continuaram as mesmas: como saber o que se esconde por trás deste monte de "letras"? O que é transcrito e traduzido e qual sua função? Para que servem as sequências não codificantes de proteína mas que são transcritas (antes denominadas DNA lixo)? O que regula a expressão dos genes? Entre tantas outras!
Surge então a era pós-PGM, na qual os erforços voltam-se para o desvendamento das funções destas sequências e como elas são reguladas.
Tive uma matéria na pós chamada "O Mundo dos RNAs" que trata sobre o vasto e desconhecido mundo dos RNAs. Como o objetivo não era copiar o nome, além de também me interessar por um mundo também muito vasto e talvez ainda tão desconhecido quanto - o das proteínas - pensei: porque não "O Mundo da Expressão Gênica"?
Criei este blog então com o intuito de explicar (e pra isso, aprender junto também!) as teorias, técnicas empregadas no estudo, protocolos e o que mais der na telha e for surgindo a respeito desta área tão linda! =)
Assim que tive a idéia de criar este blog, me vieram zilhões de idéias de assuntos a serem tratados (fiz até um lista pra não esquecer! rs) e pretendo postar assiduamente (se meus experimentos e disciplinas me permitirem, é claro).