quarta-feira, 23 de maio de 2012

Diferenças entre diabetes tipo 1 e 2




Apesar da diabetes ser uma doença muito conhecida, afetando cada vez mais pessoas, percebo uma falta de informação da população em geral a respeito das diferenças entre os tipos de diabetes e as dificuldades enfrentadas por seus portadores, por isso resolvi fazer este post. Vale lembrar que não trabalho nessa área e não sou uma expert no assunto, mas me interesso bastante por ter vários familiares com a doença.

Diabetes tipo 1

Na diabetes tipo 1, as ilhotas de Langerhans (células localizadas no pâncreas) deixam de produzir insulina, uma vez que esta é uma doença auto-imune na qual estas células produtoras de insulina são reconhecidas como corpos estranhos e combatidas pelo sistema imune do paciente.

 Não se sabe ao certo o que leva à essa resposta auto-imune, mas existem evidências de predisposição genética, bem como stress funcionando como gatilho emocional para o desenvolvimento da doença.

 Uma vez que a insulina é essencial para possibilitar a entrada da glicose sanguínea nas células, a falta de insulina leva à níveis elevados de glicose no sangue, o que pode afetar a longo prazo diversos órgãos. O excesso de glicose na corrente sanguínea leva à uma diminuição na liberação de hormônio anti-diurético pela hipófise, porque o organismo entende que precisa eliminar aquele excesso de glicose através da urina. Além disto, o diabético sente sede excessiva pois a ingestão de água levaria a uma diluição dos níveis excessivos de glicose no sangue.  Assim, pacientes com diabetes tipo 1 precisam tomar insulina diariamente, como por exemplo a Lantus com efeito lento, e após o consumo de carboidratos, como por exemplo a Humalog de efeito rápido.

A diabetes tipo 1 inicia-se principalmente em crianças e adolescentes, mas pode surgir em qualquer faixa etária, e seus principais sintomas são: glicemia alta durante o jejum, urinar frequentemente, sede excessiva, cansaço e irritabilidade.

Atualmente, a única cura possível para este tipo de diabetes é através do transplante de pâncreas, embora diversos estudos promissores englobando outros procedimentos estejam em andamento pela comunidade científica. O transplante, no entanto, é reservado apenas a casos de pacientes com diabetes severa, ou seja com hipo e hiperglicemias frequentes, uma vez que esta cirurgia envolve todos os risco de qualquer transplante, como a rejeição do organismo ao órgão transplantado e a dependência de medicamentos imunosupressores.

Diabetes tipo 2

A diabetes tipo 2, por outro lado, ocorre principalmente em indivíduos com mais de 40 anos, e sedentarismo e obesidade são fatores de risco.

Neste tipo de diabetes, o pâncreas produz insulina, porém as células musculares e adiposas perdem a capacidade de reconhecimento da insulina e absorção de glicose sanguínea. Assim, indivíduos com diabetes tipo 2 frequentemente não são insulino-dependentes e sim insulino-resistentes, sendo que a doença pode ser controlada apenas com medicamentos orais, exercícios físicos e dieta. Alguns sintomas deste tipo de diabetes incluem: cicatrização mais lenta, circulação sanguínea dificultada (formigamentos nos membros e alterações visuais) e infecções frequentes.


O vídeo abaixo mostra de maneira bastante didática as diferentes causas da diabetes tipo 2:



quinta-feira, 26 de abril de 2012

microRNAs: O que são e para que servem?



Hoje vim falar sobre um assunto que tem ganhado cada vez mais atenção da comunidade científica, tanto por sua descoberta relativamente recente quanto pelos desdobramentos de suas potenciais aplicações na pesquisa básica e na terapia.

Como todos sabem, os genes, os quais encontram-se no DNA, são transcritos em RNAs que são então traduzidos em proteínas. Essas proteínas podem possuir diversas funções estruturais, enzimáticas, entre outras. Certo? Em parte!! Com o sequenciamento do genoma humano há cerca de uma década atrás, foi observado que apenas uma pequena parte do genoma humano (cerca de 1%) é constituído por genes capazes de gerarem RNA codificantes, ou seja, RNAs que codificam para proteínas. Opa!! E os outros 98%?? Por muitos anos, devido à função de sua maior parte ser desconhecida, ganharam o nome de "DNA-lixo". Um dado interessante, é que ao se observar a quantidade de genes codificantes entre as diferentes espécies de organismos eucariontes, foi constatado que não há uma variação muito grande quando comparados, independentemente do nível de complexidade do organismo. Ou seja, seres humanos possuem cerca de 31,7 megabases (Mb) de sequências codificantes (CDS) no DNA, enquanto que uma espécie de verme possui 25,4 Mb e uma espécie de mosca-das-frutas possui 21,8Mb de CDS. No entanto, o tamanho total do genoma entre essas espécies varia abissalmente, sendo de 2866Mb em humanos, 100.3Mb em vermes, e 132Mb em moscas-das-frutas. Assim, os cientistas descobriram que quanto mais complexo o organismo, maior a quantidade de "DNA-lixo" ele tem, evidenciando que este DNA aparentemente sem função poderia ter sido evolutivamente importante para o surgimento de espécies mais complexas.

Aos poucos, diversos estudos foram demonstrando que este DNA aparentemente sem função era essencial para o funcionamento correto da célula, como por exemplo na regulação da expressão dos genes codificantes. E é aí que entram os microRNAs, os quais são pequenas sequências de RNA que não são traduzidas em proteínas, mas que têm função na regulação dos RNAs codificantes, ou seja: RNAs regulando RNAs!! Mas não fique aí animadinho pensando que somente de microRNAs é feito o "DNA-lixo". Na verdade, microRNAs correspondem somente à uma pequeníssima porção de todo aquele DNA ainda com função desconhecida. Estima-se que apenas 1 a 3% dos nossos genes correspondam aos microRNAs. Sabe-se hoje em dia que grande parte deste "DNA-lixo" é constituído por sequências repetitivas, elementos regulatórios, entre outros.

Mas se a quantidade de microRNAs é relativamente tão pequena (já foram identificados 1921 microRNAs maduros em humanos até o presente momento), porque estudá-los? Porque estima-se que eles regulam a expressão de 30 até 60% dos RNAs codificantes em humanos!!

E toda essa história começou com o estudo de nemátodas C. elegans, os quais passam por quatro estágios larvais antes de atingirem o estágio adulto. No início dos anos 90, já sabia-se que vermes mutantes para o gene lin-4 permaneciam no primeiro estágio larval, sem nunca atingir o estágio adulto. Por outro lado, vermes com perda de função de lin-14 apresentavam o fenótipo contrário, ou seja, escapavam à primeira fase larval. Além disto, o ganho de função de lin-14, ou seja, a super-expressão deste gene, ocasiona fenótipo semelhante ao da perda de função de lin-4. Adicionalmente, sabia-se também que a expressão do RNA de lin-14 não se altera durante o desenvolvimento, ao contrário do que ocorre com a expressão de sua proteína, e experimentos com a porção 3’UTR (porção não traduzida do RNA na extremidade 3’) demonstraram que a mesma é essencial para o silenciamento de lin-14 nos diferentes estágios do desenvolvimento. Juntando todas as peças do quebra-cabeças, em 1993 foi descoberto que o RNA de lin-4 (o qual não traduz para uma proteína) liga-se à porção 3’UTR de lin-14, impedindo sua tradução. Assim, o aumento na expressão de lin-4 e a consequente diminuição da expressão de lin-14 no final da primeira fase larval é essencial para o prosseguimento do desenvolvimento normal nestes animais.

Num primeiro momento, essa descoberta não ganhou muita atenção da comunidade científica por acreditar-se que representava um caso isolado e presente apenas nestes vermes. Nos anos seguintes, porém, diversos outros grupos foram reconhecendo interações semelhantes entre RNAs não codificantes e a porção 3’ UTR de RNAs codificantes de maneira sequencia-específica, levando à não-tradução desta última. Em 2001, o primeiro estudo identificando microRNAs em outros organismos, como humanos e drosófilas, foi publicado e então cunhou-se o termo microRNAs.

Atualmente, sabe-se que estes pequenos RNAs são bastante conservados, estando presentes na maioria dos organismos eucariotos. Os microRNAs têm uma importante função na diferenciação e manutenção do estado diferenciado dos diversos tipos celulares de um organismo, estando envolvidos em importantes processos celulares como apoptose, angiogênese, metilação do DNA, entre outros.

E porque é tão importante estudar estes pequenos RNAs? Porque um microRNA é capaz de regular a expressão de diversos genes, e a perda de função de um microRNA, portanto, pode ter consequências desastrosas no organismo. Como exemplo, temos o microRNA miR-29b, o qual regula a expressão de diversos proto-oncogenes, ou seja, genes com importante função nas células em um determinado tecido ou estágio do desenvolvimento, mas que quando super-expressos podem levar à proliferação celular exacerbada, à inibição da apoptose, entre outros fenótipos, levando ao desenvolvimento tumoral. Assim, já foi demonstrado que este miRNA está pouco expresso em células de câncer de pulmão, levando à super-expressão de DNMT3B, um importante alvo envolvido na metilação de regiões promotoras de diversos genes. Estudos têm demonstrado que a expressão aberrante de microRNAs está envolvida com diversas outras malignidades além do câncer, como Alzheimer, esquizofrenia, diabetes, entre outras. 

Para um melhor entendimento, encontrei este vídeo super didático no Youtube que mostra a biogênese dos microRNAs, funcionamento e suas implicações na terapia.


Neste vídeo, podemos ver primeiro a biogênese dos microRNAs. O mesmo é transcrito a partir do DNA através de uma RNA polimerase II, o RNA forma uma estrutura em forma de grampo (pri-miRNA), o qual é processado por uma RNAse (Drosha) ainda no núcleo, formando o pre-miR e este então é exportado para o citoplasma, onde sofre outra clivagem através da ação da Dicer, uma outra RNAse. Os duplexes de RNA formados após o processamento da Dicer são então carregados num complexo ribonucleoproteico, o complexo RISC (RNA-induced silencing complex, ou complexo de silenciamento induzido por RNA), onde somente uma das fitas do duplex permanecerá. Esta fita, ao ligar-se a uma região 3'UTR de um RNA mensageiro complementar à ela, bloqueará a tradução da mesma. A seguir, vemos as possíveis implicações destes pequenos RNAs na terapia, como por exemplo ao inibir a expressão de oncomiRs (microRNAs super-expressos em células tumorais), levando à re-expressão de importantes genes supressores tumorais antes silenciados. O contrário também é possível, com a introdução de microRNAs supressores tumorais antes silenciados em um determinado tumor.

Pra quem se interessar pelo assunto e quiser saber mais, indico uma revisão bem completa a respeito:
Lee YS & Dutta A. MicroRNAs in Cancer. Annu Rev Pathol. 2009; 4: 199-227.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Uma tese é uma tese"



Uma tese é uma tese

MARIO PRATA
Quarta-feira, 7 de outubro de 1998 CADERNO 2 - O Estado de S. Paulo

"Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.


As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte.

O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo.

São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?

Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.

Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.

E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na prática mesmo.

Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290. Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática.

Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto.

Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?

Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso?

E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.

Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:

- Não vou mais estudar! Não vou mais na escola.

Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses.

- O quê? Pirou?

- Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?

Pensando bem, até que não é uma má idéia!

Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história?

Acho que seria uma tesão."

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Profissão: Cientista

Há alguns meses atrás, tive a oportunidade de ir em um  Simpósio de Células Tronco realizado no Instituto de Química na USP e foi uma oportunidade única de conhecer o trabalho promissor de diversos cientistas da área. Dentre eles, uma palestra me chamou muito a atenção, não só pela relevância do tópico em questão, mas também pelo fato de expor o trabalho de um grupo que estuda a mesma proteína que eu. Em novembro, então, os primeiros resultados deste grupo foram publicados na revista Cell, uma das revistas científicas de maior impacto do mundo, tendo inclusive estampado a capa da publicação. Pra quem quiser saber um pouco mais sobre este artigo, o site G1 publicou uma matéria bastante completa sobre essa pesquisa e o impacto da mesma não só sobre as pesquisas em autismo, especialmente Síndrome de Rett, como também na pesquisa de doenças ligadas ao cromossomo X utilizando-se como modelo de estudo células iPS (células tronco pluripotentes induzidas) humanas . Pretendo também fazer um resumo deste artigo aqui no blog, mas isso é assunto para outra postagem.
Encontrei então o blog do Alysson Muotri, chefe do laboratório responsável pela publicação que comentei, e perdi horas e horas (entre um experimento e outro), lendo. Aliás, quem quiser dar uma olhada, vale muito a pena! Basta clicar aqui.
Entre os diversos textos, um que gostei muito foi sobre o perfil dos cientistas e como a ciência realmente é. Tomei a liberdade de publicar o texto aqui e inserir meus comentários abaixo:


“Existem alguns cientistas que são naturalmente obcecados. São esses os que possuem uma ansiedade que não passa nunca. Ansiedade que só consegue ser levemente atenuada pelo prazer de uma descoberta. Tudo começa novamente instantes depois.
O que me faz acordar cedo todos os dias é a esperança de que hoje eu vou ter a reposta para a pergunta que busco. Então eu terei mais questões para ir atrás. É um desafio diário, você quer saber por que isso funciona ou como isso funciona. Você fica obcecado por um problema e não consegue parar de trabalhar ou de pensar naquilo até você chegar à descoberta, à resposta para sua pergunta. No momento da descoberta você é único, é a única pessoa no mundo que sabe daquilo, que tem aquele conhecimento. A obsessão é ainda maior se a motivação está na cura de uma doença ou se o cientista tem uma razão pessoal para o problema estudado. Muitos cientistas são movidos pela paixão de descobrir algo que auxilie a vida de milhares de pessoas. Outros buscam fama ou reconhecimento. A vaidade faz parte da personalidade do cientista.
Ciência não é fácil e não é para qualquer um. Não existe ninguém que te acompanha ou motiva no laboratório a cada instante. Ninguém marca ponto quando chega ou sai. Você acha que está livre, mas o problema te acompanha. Você fica preso e ansioso, sempre. Você não relaxa nunca. Não existe final de semana, feriado, Natal, cedo ou tarde. Esses são conceitos temporais do mundo exterior ao laboratório. Ao final de um período, você será julgado pelos resultados produzidos. Ninguém está nem aí se você ficou trabalhando por doze ou duas horas. Os melhores cientistas trabalham duro. Os medíocres também trabalham duro. O trabalho por longas horas do dia não é o diferencial, mas é imprescindível.
Chefes de laboratório são, em geral, cientistas obcecados. Outros derivam, acabam partindo para carreiras menos obsessivas ou permanecem ligados à ciência de forma superficial. Os que ficam acabam contratando alunos e pesquisadores para acelerar a pesquisa. O sucesso dos alunos influencia o sucesso do pesquisador principal, que se reverte em melhores condições para o laboratório. Por isso mesmo, o interesse é que todos os membros do laboratório sejam produtivos. Ao contrário do Brasil, nos EUA a situação é ainda mais complicada, pois o salário dos pesquisadores muitas vezes vem direto dos projetos. Ou seja, o salário não é estável e depende da produtividade. Avaliações de desempenho acontecem anualmente. É estressante, mas o sistema acaba por se autoajustar e eliminar os mais acomodados.
Esse estresse e essa obsessão muitas vezes tornam o cientista frio e direto. Em ciência, ao contrário do que ocorre no mundo fora do laboratório, a forma direta de criticar e apontar os erros é corriqueira e não deve ser vista como algo pessoal. Cientistas de fato até gostam de críticas; mesmo as não construtivas são bem-vindas. Obviamente que existem limites, e um comportamento negativo ou pejorativo por parte dos cientistas mais seniores afasta jovens estudantes.
Estudantes são a locomotiva dos laboratórios. São eles que, literalmente, colocam a mão na massa e realizam os experimentos. Talvez mais importante seja o fato de que novos estudantes chegam sem os vícios daqueles que estão no mesmo laboratório por mais tempo. Essa rotatividade é essencial para manter o dinamismo de ideias e projetos, trazendo perspectivas únicas. Em algumas ocasiões, o estudante acaba por estabelecer caminhos próprios, criando novas linhas de pesquisa.
Estudantes muitas vezes têm um projeto individual, menos ambicioso, que faz parte de um projeto mais abrangente, desenhado pelo chefe do laboratório. Noutras vezes, fazem parte de uma rede de colaboração. Questões fundamentais ou de impacto direto para a humanidade atraem investimentos maiores e têm maior competitividade. Quando isso acontece, é comum encontrar diversos grupos trabalhando numa mesma área. Eventualmente um dos grupos chega à resposta antes. Eles publicam em revistas científicas de maior impacto, e só resta aos competidores a publicação em revistas inferiores, se possível. Essa competição acadêmica pelo conhecimento é feroz. Trabalho de anos pode perder o valor da noite pro dia. Carreiras inteiras podem ser desmanteladas por uma semana de diferença. Ver isso acontecendo na frente dos seus olhos é frustrante.
É interessante notar que os experimentos realizados no laboratório serão eventualmente incorporados em livros didáticos no futuro. A responsabilidade e o prazer de saber que você é responsável pelo conhecimento e aprendizado de outros é extremamente gratificante para alguns cientistas.
O laboratório é um mundo que a maioria das pessoas, lendo esta coluna, nunca vivenciou. Milhares de outros fatores estão envolvidos, como os dramas pessoais, a relação com a mídia, com a religião, o convívio dentro do laboratório etc. Infelizmente, nunca ninguém escreveu sobre isso ou se preocupou em representar esse mundo. Sabemos desde pequeno o que um advogado faz, o dia-a-dia de um médico, um policial etc., mas o cientista é sempre caricato. Em geral, associado a algum experimento maluco ou antiético.
Fico feliz em poder terminar esse texto receitando um documentário exatamente sobre o cotidiano de um laboratório de biologia molecular. “Naturally Obsessed: the making of a scientist” (http://www.naturallyobsessed.com) foi produzido por Richard e Carole Rifkind. Eles frequentaram o ambiente de um laboratório de pesquisa na Universidade Columbia, em Nova York, por três anos. A edição do filme levou mais de um ano e finalmente está pronta. É a história de como a ciência é feita, quem são os cientistas, as frustrações, a paixão e o prazer.
Infelizmente, não acredito que o filme chegue às telonas. Questiono se é falta de interesse do público, pois acho que muita gente tem interesse em saber como o conhecimento é produzido e aplicado. De qualquer forma, é um começo que deve estimular projetos semelhantes em outras partes do globo.”

Não poderia concordar mais com tudo o que foi dito até aqui. Sinto uma certa dificuldade em explicar para qualquer pessoa que não seja da área o que um cientista faz. A maioria das pessoas tem aquela visão caricaturada, de que temos alguns parafusos meio frouxos, que somos bitolados (o que é até verdade na maioria das vezes), e que fazemos um ou dois experimentos para então descobrirmos algo muito importante, como a cura do câncer ou de algum vírus estranho introduzido na terra por alienígenas. A verdade é que por trás desta visão romanceada se escondem anos e anos de tentativas e erros, de padronização de experimentos, de respostas que nos levam a mais perguntas até que, por fim, descobrimos a pontinha do iceberg. Não a cura do câncer, mas uma forma de regulação de uma proteína envolvida na proliferação celular, por exemplo. E assim o conhecimento é construído, com cada pequena descoberta vamos construindo um quebra cabeças sem fim, por mais que cada peça isolada pareça sem importância.
Achei interessante também esta caracterização do cientista como alguém obcecado. Os maiores cientistas que conheci eram justamente pessoas que não se desligavam nunca de suas pesquisas. No trailer do filme indicado, um dos pesquisadores até fala que quase todo cientista tem um pouco de TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), ou seja, sua pesquisa vira uma obsessão e quanto mais você sabe, mais quer saber. Isso quer dizer que somos loucos? Não, apenas que podemos estar no cinema vendo um filme, passeando com o cachorro ou até mesmo dormindo (sim, isso já aconteceu comigo!!), e ainda sim estarmos pensando na nossa pesquisa, no que estamos fazendo de errado quando os experimentos não vão como queríamos, ou em quais serão os próximos passos caso os experimentos tenham dado certo.
Como dito no texto também, nessa profissão ninguém está marcando quantas horas trabalhamos e quantos experimentos estamos fazendo, o que existe é uma cobrança pessoal de descobrir, de ir atrás e de publicar seus resultados. Por isso não é difícil você encontrar alguém em um laboratório às 9 horas da noite de uma sexta-feira, ou num fim de semana. Ganhamos hora extra? Não, mas sabemos que para os experimentos não existem horas ou dias certos. Se a célula estiver na confluência exata pra se começar um experimento justo no meio do feriado, então no feriado será. Por três anos trabalhei com genética animal no meu IC com o objetivo de criar uma linhagem isogênica de uma espécie de mosca-das-frutas para posterior liberação de machos inférteis na natureza. Tinha que coletar os ovos, separar as moscas que nasceram em casais e trocar o alimento a cada dois dias, sem exceções. Foram 3 anos sem férias ou feriados, até em véspera de natal e ano novo lá estava eu no laboratório. O que recompensa é depois de todo o trabalho você alcançar o objetivo.
O que torna alguém um bom cientista, além da obsessão? Na minha opinião, a curiosidade é uma das características principais. Sempre querer saber mais... porquê, como, quando? Nunca deixar de se perguntar, por mais absurda que pareça a pergunta. Outra característica importantíssima, é a mente aberta. Em primeiro lugar, não se deve achar que só porque algo é difícil de ser feito, é impossível. Aliás, o que é difícil deve ser encarado como um desafio e, por isso mesmo, algo que deve ser almejado. As coisas as quais estamos acostumados, sejam elas técnicas ou formas de pensamento, devem ser mantidas, mas sempre temos que buscar incrementá-las com coisas novas, para nosso crescimento profissional e pessoal. Do contrário, corremos o risco de ficar pra trás, desatualizados. 

terça-feira, 27 de abril de 2010

Eventos 2010

Este ano de 2010 está repleto de eventos interessantes para estudantes de muitas áreas da biologia, entre congressos, simpósios, encontros e cursos. Não é minha intenção divulgar aqui todos os eventos do ano, mas estou  fazendo apenas uma pequena compilação dos que tomei conhecimento por terem me interessado e/ou por serem da minha área (biologia molecular/genética animal e humana). A lista ainda deve aumentar, então conforme novos eventos interessantes forem surgindo, vou postando aqui!

Evento: IV Simpósio de Células-Tronco e Terapia Celular e Gênica da UNIFESP
Local: APAE - Rua Loefgreen, 2119 – São Paulo - SP - Vila Clementino - São Paulo / SP
Data: 10 e 11/07/10
Inscrições: 12/04 a 12/05/10
Permite submissão de resumo? Sim, até 12/05/10
Custo: Gratuito
Público-alvo: Professores, Pesquisadores, alunos de pós-graduação, Alunos de Graduação e Médicos.
Site: http://proex.epm.br/eventos10/celulatronco/index.html
Obs: Curso compacto, gratuito e com vários professores da UNIFESP como palestrantes. Já estou inscrita!



Evento: V Congresso Brasileiro de Células-Tronco e Terapia Celular
Local: Centro de Eventos do Hotel Serrano - Gramado/RS
Data: 29/09 e 02/10/10
Incrições: até a data do Congresso
Permite submissão de resumo? Sim, até 05/08/10
Custo: Entre R$50 e R$600
Público-alvo: Pesquisadores e professores da área, estudantes de graduação e pós-graduação.
Site: http://www.plenariumcongressos.com.br/congressos/terapiacelular/index.php?menu=1&titulo=Apresenta%E7%E3o
Obs: Palestrantes renomados de diversos países. Vale a pena!

Evento: 56º Congresso Brasileiro de Genética
Local: Casa Grande Hotel Resort - Guarujá/SP
Data: 14/09 e 17/09/10
Incrições: até 17/09/10
Permite submissão de resumo? Sim, até 10/06/10
Custo: Entre R$100 e R$800
Público-alvo: Pesquisadores e professores da área, estudantes de graduação e pós-graduação.
Site: http://www.plenariumcongressos.com.br/congressos/terapiacelular/index.php?menu=1&titulo=Apresenta%E7%E3o
Obs: Ainda não está disponivel a programação, mas acredito que esteja tão boa quanto as dos anos anteriores!

Evento: Curso Introdução à técnica de Interferência por RNA (RNAi) e microRNAs (entre outros)
Local: USP - Ribeirão Preto
Data: 12-23/07/10
Inscrições até: 28/05/10
Permite submissão de resumo? Não
Custo: Gratuito
Público-alvo: Pós-graduandos, pós-doutorandos ou pesquisadores. Atuação profissional: Agrônomos, Biólogos, Biomédicos, Bioquímicos, Médicos, Farmacêuticos e outros profissionais da área biológica.
Site: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/315193.html
Obs: Faz parte do CBAB (Centro Brasileiro-Argentino de Biotecnologia). No site é possível ver os outros cursos disponíveis, que podem ocorrer tanto no Brasil quanto na Argentina. São poucas vagas, mas os selecionados terão ajuda de custo para hospedagem e transporte.

terça-feira, 2 de março de 2010

Mestranda em Crise



O título desta postagem não é nem um pouco subjetivo e explica em grande parte meus sumiço daqui nos últimos meses. Pensei em dar uma "quebrada" nisso de só postar assuntos mais teóricos e dar uma refrescada com assuntos da vida acadêmica que nós, pós-graduandos, enfrentamos todos os dias.  
A verdade é que eu não conheço um mestrando ou doutorando que nunca tenha passado por uma "crise acadêmica", que não tenha ficado sem dormir algumas noites por causa de alguma banda que não apareceu no seu no gel ou por resultados que cismam em não ter explicações lógicas.
Isto não quer dizer que não amamos o que fazemos, que não temos aquela coceirinha pra fazer algum experimento (mesmo que financeiramente impossível) quando lemos artigos daquele grupo que publicou na Nature semana passada, ou que não adoremos falar sobre nossos projetos, mesmo quando não perguntados. Acredito que essas crises sejam bastante saudáveis, porque fazem a gente parar da nossa rotina louca pra pensar um pouco: "Peraí, porque eu tô fazendo isso? Será que estou indo pelo caminho certo, ou só estou dando voltas? Será que não haveriam outros meios melhores pra se chegar à resposta que eu quero?"
Eu sinto que, hoje em dia, tenho zilhões de dúvidas a mais do que tinha quando iniciei meu mestrado, como se cada resultado meu me desse mais perguntas que respostas e,  talvez por ser uma iniciante nesse mundo acadêmico, às vezes bate um desespero de querer saber tudo de uma só vez e uma certa desmotivação de saber que ainda vou demorar ou talvez nunca tenha as respostas de algumas das perguntas que me faço. Por outro lado, ao ver outros pesquisadores falando de suas linhas de pesquisa, vejo como muitas se originaram do "acaso" e de perguntas antes sem respostas e isso me entusiasma a seguir em frente, na esperança de um dia ter uma maior maturidade e paciência, virtudes que acredito serem imprescindíveis em qualquer pesquisador.


PS: Uma citação que ouvi hoje e que veio a calhar:

"The beginning of knowledge is the discovery of something we do not understand. "
Frank Herbert

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Micoplasmas: Os Vilões das Culturas Celulares

Após um período de recesso e um final de ano conturbado, volto a postar aqui com um assunto que aflige muitos cientistas que trabalham com cultura celular, as tão temidas contaminações pr bactérias. No meu caso, o que me causou muita dor de cabeça em 2009 foram as contaminações por micoplasma, então vou escrever aqui algumas coisas que li  e aprendi  a respeito neste período, além das minhas prórpias experiências.
Micoplasmas são microorganismos com ausência de parede celular rígida, pertencentes à classe Mollicutes. São os menores organismos conhecidos com capacidade de auto-replicação e podem localizar-se tanto aderidos à membrana da célula hospedeira, como podem invadir a célula.
O grande problema da contaminação por micoplasma é que você simplesmente não sabe que ela está lá apenas olhando num microscópio ou a olho nu (como no caso das contaminações por fungos). Assim, só se sabe que há alguma coisa errada em sua cultura quando o crescimento passa a ser mais lento que o usual. Ainda sim, em estágios iniciais de contaminação nenhum efeito fenotípico é observado. Desta forma, testes periódicos devem ser feitos nas linhagens mantidas em cultura para averiguar sua qualidade.
Micoplasmas podem causar, além de uma dimiuição do crescimento celular, uma série de outras alterações fenotípicas que podem interferir no resultado do estudo em andamento.
Culturas celulares devem passar por testes rotineiros para detecção de micoplasma e, se o resultado for positivo, estas culturas devem ser descartadas e substituídas (o que nem sempre podemos nos dar ao luxo), ou devem ser submetidas a tratamentos de combate a essas contaminações. Cultura de células primárias ou culturas em baixas passagens apresentam menor incidência de contaminação em relação à culturas contínuas.
A troca constante de culturas celulares entre laboratórios sem assegurar-se da qualidade das mesmas é uma importante forma de disseminação do micoplasma. O grande problema é que este tipo de contaminação não é rara. Em trabalho recente foi observado que quase 1/3 das culturas estudadas estavam contaminadas com micoplasma, e outros estudos apontam porcentagens ainda mais alarmantes. Na década de 60 e 70, a maior parte da cotaminação era proveniente do soro utilizado nas culturas de células. Hoje em dia, apesar de muitas empresas assegurarem que o soro vendido é livre de micoplasmas, estes ainda são importante fonte de contaminação. Muitas culturas, por outro lado, apresentam contaminação por micoplasmas de origem humana, o que indica que á manipulação incorreta da cultura é também uma importante fonte de contaminação.
Existem diversas formas de detecção de micoplasma que podem ser empregadas em testes rotineiros, sendo eles os métodos de detecção direitos (crescimento de colônia em ágar) ou indiretos (como PCR). Um dos métodos de detecção mais utilizados atualmente é o PCR, por ser rápido, fácil de fazer, de relativo baixo custo e de maior sensibilidade em relação aos ouitros métodos. Neste caso, são desenhados primers específicos para uma região da subunidade 16S do RNA ribossômico, a qual tem alto grau de conservação entre todas as espécies de micoplasmas.
Após certificar-se que sua cultura está contaminada, o passo seguinte mais recomendado é a eliminação desta cultura e sua subtituição por outra correspondente livre de contaminação. Porém, como já menconei antes, nem sempre esta solução é possível uma vez que algumas culturas não podem ser substituídas. Neste caso, estas culturas podem ser submetidas a tratamentos, que dividem-se em 4 categorias:  físicos, químicos, imunológicos ou quimioterapêuticos. Cada um tem suas vantagens e desvantagens e devem ser usado em diferentes tipos de casos. Entre estes, os quimioterapêuticos (no caso, antibióticos) são os de maior eficiência e, por isso, os mais utilizados.
Os antibióticos mais comumente utilizados em culturas celulares, como a penicilina e streptomicina, apenas mascaram a presença dos micoplasmas ao inibir seu crescimento, mas não provocam sua erradicação. Micoplasmas, na presença de certos antibióticos, podem desenvolver resistência à eles e mesmo os antibióticos mais efetivos podem causar efeitos citotóxicos. Os dois antibióticos mais utilizados no tratamento do micoplasma são a tetraciclina e a ciprofloxacina. A Tetraciclina atua ligando-se aos ribossomos e impedindo a elongação da tradução, atuando tanto na inibição da sintese proteína de procariotos quanto de eucariotos. Já as Quinolonas (classe à qual pertence a Ciprofloxacina) atuam inibindo replicação do DNA, transcrição, reparo e recombinação, tendo maior seletividade por proteínas procaritóticas mas podendo atuar também eu células eucariontes. Em diversos estudos, foram observados que após tratamento, a maior parte das culturas celulares é "curada". Em alguns casos, porém, pode ocorrer resistência e conseqüente não descontaminação, além de poder ocorrer morte celular devido aos efeitos citotóxicos causados pelo tratamento.
Para evitar toda essa dor de cabeça, algumas medidas simples podem ser tomadas para evitar contaminação de culturas celulares por microorganismos, sendo algumas delas: higienização correta das mãos antes da manipulação, evitar falar no fluxo, posicionamento do fluxo em locais de baixa corrente de ar (distante de portas, por exemplo), uso de pipetas descartáveis, entre outros.


Bibliografia recomendada: